sábado, 11 de fevereiro de 2017

`Cavalo de Troia` bacteriano combate câncer com sucesso



Como resumiu o editor da revista médica “Science Translational Medicine”, “duas bactérias podem ser melhores do que uma”. Pesquisadores na Coreia do Sul, EUA e China recrutaram duas espécies diferentes desses seres para um objetivo nobre: tratar o câncer.

Bactérias podem ser tanto “do bem” como “do mal”. Há espécies vivendo dentro do ser humano fundamentais para o metabolismo do organismo, enquanto outras causam doenças. Curiosamente, em alguns casos injetar bactérias específicas em tumores pode ajudar a erradicá-los, ao estimular a inflamação e desencadear uma resposta imune antitumoral. “Exemplo clássico disso é a injeção de câncer da bexiga com bacilo Calmette Guérin,mas abordagens mais recentes têm usado bactérias de espécies dos gêneros Clostridium e Salmonella”.

Mas os autores do novo estudo dizem que até agora as diferentes estratégias para levar agentes terapêuticos até as células cancerosas têm vários obstáculos. Apesar de diferentes “cargas úteis” —como anticorpos ou proteínas tóxicas— terem sido usadas para aumentar a toxicidade anticâncer das bactérias, com algum efeito terapêutico, “elas ainda têm limitações, por exemplo: injeções múltiplas de bactérias são necessárias, e os tumores tendem a reaparecer”, dizem os autores na revista médica.

Não resta dúvida de que as bactérias se esbaldam no tecido canceroso. “Vasos sanguíneos anormais e regiões hipóxicas com pouco oxigênio e necróticas tecido lesado, morto são características universais de tumores sólidos. Estes ambientes hipóxicos e anóxicos sem oxigênio podem ser alvo de bactérias anaeróbicas obrigatórias ou facultativas, tais como Bifidobacterium, Salmonella,Escherichia, Clostridium e Listeria”, afirmam os cientistas.

A equipe de 14 pesquisadores usou uma cepa enfraquecida da espécie Salmonella typhimurium modificada por engenharia genética para produzir em grande quantidade a proteína flagelina B (FlaB) tirada de outra bactéria, a Vibrio vulnificus. O resultado foi excelente: as bactérias manipuladas geneticamente induziram uma resposta imunitária antitumoral eficaz, tratando com sucesso tumores em vários modelos diferentes de camundongos,e sem evidência de toxicidade.

“Em modelos de camundongos, observamos boa resposta nos cânceres de cólon, pulmão, mama, cérebro, cabeça e pescoço, colo do útero e melanoma”, afirmou à FolhaJung-JoonMin,umdos autores da pesquisa. Como diz o nome, a “flagelina” é uma proteína essencial para o desenvolvimento do flagelo das bactérias. O flagelo tem esse nome por conta da palavra latina para “chicote”. Ele tem essa forma de um longo filamento. A proteína se posiciona na forma de um cilindro oco que forma o filamento, o núcleo do flagelo.

A Vibrio vulnificus tem seis genes estruturais de flagelinas, das quais a FlaB parece ter o papel principal na formação da haste do flagelo. Mas, para o novo tipo de tratamento conhecido pela sigla em inglês BCT (Bacterial Cancer Therapy, Terapia do Câncer Bacteriana), o que mais interessa é o papel “adjuvante” da flagelina B —um adjuvante é um componente ou composto químico que potencializa a resposta imunitária.

No caso, isso significa induzir a infiltração de células de defesa (os “glóbulos brancos” do sangue), como neutrófilos e macrófagos. Essas estruturas atacam e destroem as células do tumor.

Gregos 

A pesquisa lembra um dos livros clássicos da literatura ocidental, a “Ilíada”, atribuída ao grego Homero. A obra narra como os gregos tomaram a cidade rival, Troia, ao darem um cavalo de madeira de presente e se retirarem, reconhecendo a derrota. Mas, dentro da obra, havia tropas gregas escondidas, que saíram e abriram os portões da cidade para o resto do exército.

A bactéria Salmonella era o “cavalo”, a flagelina FlaB os “gregos” e os macrófagos eram o resto do exército grego, que atacou assim que viu o caminho aberto.

“Nosso objetivo é completar a cepa perfeita para a terapia do câncer, ou seja, ter como alvo especificamente o câncer, sentir o microambiente do tumor e desencadear a produção de drogas, destruindo cânceres completamente e eventualmente fazê-los desaparecer do corpo”, afirma o pesquisador coreano Jung-Joon Min.
Fonte: Folha de S.Paulo
Autor: RICARDO BONALUME NETO

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